terça-feira, 19 de agosto de 2008

O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
Castro Alves

Análise:

Em "O 'adeus' de Teresa", o eu-lírico é um homem, é ele quem abandona, de início, a amada. Há, nesse poema, vários momentos do sujeito enunciador em relação à mulher amada. Na primeira estrofe, o eu-poético narra sua impressão a respeito da primeira vez que viu Teresa. Diz ele: "A vez primeira que eu fitei Teresa,/Como as plantas que arrasta a correnteza,/A valsa nos levou nos giros seus .../E amamos juntos ... E depois na sala/ 'Adeus' eu disse-lhe a tremer co'a fala.". Nota-se que, nessa primeira estrofe, o amado passa por vários estágios donjuanescos. De início, emerge o encantamento, o desejo; posteriormente, a conquista, a concretização do amor e, finalmente, o abandono. Mais uma vez, o poeta segue os rastros do mito e, após a "violação", abandona o ser antes desejado. Na terceira estrofe, o verso, em contrapartida, a última estrofe indica a transgressão ao romantismo, na medida em que é o homem o ser abandonado e não mais a figura feminina. Nesse momento, há a inversão de atitudes donjuanescas, pois não cabe ao homem o papel de seduzir, conquistar e rejeitar, mas sim à mulher que, após longos períodos de abandono, sente-se no direito de rejeitar o bon vivant. O texto de Castro Alves é uma exaltação à beleza e ao erotismo da mulher amada, contudo, a última estrofe, acompanhada do tom grandiloqüente do poeta, revela traição. Há um destaque interessante no título em que o poeta dá-nos uma pista de quem falará: adeus, pois a palavra está entre aspas, assim podemos entender que ela, Teresa, é quem diz o último adeus. O que choca o leitor desavisado, pois o poeta surpreende com este desfecho em época romântica.

Teresa
Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo
.............................................................................................[nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Análise:
Logo na primeira leitura já percebemos o dialogismo entre estes dois poemas. Tendendo mais para um poema-paródia do texto lírico de Castro Alves. Antilírico, o poeta revela distância da idealização, confirmando, na última estrofe, a presença das transformações seja no plano físico, seja no sentimental. O poema Teresa, de Manuel Bandeira, faz parte do livro Libertinagem, o primeiro livro modernista do autor. Narra a descoberta amorosa da personagem do título pelo eu lírico. Fala da trajetória do menino ao homem que se completa em três tempos: menino, adolescente e, finalmente homem, vê, por três vezes a mesma Teresa, até sucumbir de amor. Esta descoberta acontece de forma banal, sem os arroubos de paixão romântica, o que quebra a expectativa do leitor de encontrar uma grande história de paixão à primeira vista ou de encontrar uma grande musa por quem, mais à frente, o eu lírico irá se apaixonar.Teresa, para o eu lírico, à primeira vista, parece burra, pois a cara parecia uma perna. Depois, no entanto, o olhar sobre Teresa se aprofunda: é um olhar que investiga o olhar. O eu lírico olha no fundo dos olhos de Teresa, e enxerga Teresa além da perna. Teresa tem olhos velhos, e enxergar a alma velha dentro dos olhos não só denota um interesse como perceber olhos velhos indica uma relação já mais terna. Teresa tem um corpo jovem, mas seu olhar demonstra sofrimento e/ou sabedoria. A casca estúpida de Teresa é deixada de lado, a partir da segunda estrofe, pois o que se assinala então é o paradoxo da identidade da personagem. Por fim, na terceira estrofe, o eu lírico capitula diante de Teresa. O terceiro encontro é recheado por magia (os céus se misturam com a terra) e milagre (Deus caminha sobre a água), por uma descoberta de sensações profundas, misteriosas e grandiosas. É o momento em que o eu lírico não enxerga mais nada, o que denota uma impotência diante da visão de Teresa, sua perda de poder de reação. Neste verso, por sinal, Bandeira parafraseia, implicitamente, o dito popular "O amor é cego". Impossibilitado de ver, cego àquilo que enxergava até então (os defeitos de Teresa), o eu lírico está realmente apaixonado.

domingo, 17 de agosto de 2008

Velhos amantes, novos amigos

A reportagem de capa da revista Veja desta semana é muito preocupante, mas o que vou comentar aqui é a crônica de Lia Luft, achei-a muito inteligente e se todos pensarem como a cronista, os filhos só têm a ganhar por esta civilidade. Leia e tire suas conclusões:
"Ex-companheiros podem se reaproximar com bondade, tolerância e parceria, porque aprenderam a ser mais tolerantes, porque ficaram mais sábios" No meio desse mundo dominado por mediocridade e sordidez – que se manifestam sobretudo na vida pública, na qual há muito o bem do cidadão tem menos importância que o bolso e o poder dos que deviam cuidar dele –, aparecem dados positivos. Alguns, quase extraordinários, nos consolam, nos fazem pensar, nos servem de modelo. Falo em velhos casais separados, que voltaram a ter companheiros, mas se vêem outra vez sozinhos, por viuvez ou nova separação. Separação é sempre triste. Não há nenhuma alegrinha ou animada, tudo provoca culpa ou rancor. Filhos envolvidos sofrem sempre. O melhor que os pais podem fazer é decidir de coração aberto: "Não somos mais marido e mulher, mas somos pais desses filhos". Se isso for levado a sério, muita dor será evitada. Pessoas dignas e decentes conseguem fazer isso, passada a primeira tempestade de emoções. Os filhos convivem com pai e mãe, ambos igualmente interessados em sua vida, sua saúde, sua escola, suas amizades, seu crescimento enquanto seres humanos. O chão só se abre quando, o que é comum, os pais – ou um deles (a triste figura é em geral a materna) – usam os filhos para denegrir ou ferir o outro. Talvez o tempo nos torne mais civilizados nisso.

Lya Luft
Fonte: Veja ( 17/08/2008)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Sherlock Holmes : O mais excêntrico e arrogante detetive de todos os tempos


Dr. Watson ficou impressionado quando conheceu Sherlock Holmes pelo seu interessante método de dedução, comparando-o ao detetive francês Auguste Dupin, personagem de Edgar Allan Poe. Ofendido com a comparação Holmes respondeu: “Dupin é um sujeito medíocre”. Mas , claro, foi Dupin quem inspirou a criação do principal personagem de Sir Arthur Conan Doyle. Sua primeira aparição nas páginas da Literatura policial se deu no romance “Um estudo em vermelho”.
É nessa obra que Holmes pronuncia a frase que ecoaria na eternidade literária:”Elementar, meu caro Watson!”, em nenhuma outra história, Sherlock voltaria a falar a tal frase.É nesse mesmo livro que o famoso detetive inglês assevera a tamanha zombaria contra a base de sua criação. A verossimilhança do personagem de Conan Doyle é tanta que há quem acredite que ele de fato existiu,na Inglaterra existe até museu com pertences do mais conhecido residente da Baker Street.Essa crença tem suas razões plausíveis do ponto de vista literário, Sherlock é o personagem mais vivaz da Literatura policial e um dos mais expressivos de toda a Literatura, tanto que ofuscou o nome do seu próprio criador.
Interessante notar que em todas as narrativas, o foco do personagem secundário, no caso de Conan Doyle é o Dr. Watson quem narra estupefato as revelações dos mais intrigantes mistérios, impossíveis de serem desvendados pelos meros mortais. Mistérios estes que nem a Scotland Yard, mais um motivo de zombaria para Sherlock Holmes, é capaz de descobrir. Dupin,é claro, tem a mesma capacidade dedutiva de Holmes. A obra que mais influenciou a criação deste personagem foi "Os crimes da rua Morgue", conto que originou o gênero policial na Literatura, e A carta roubada, de Edgard Alan Poe. Se o genial Sherlock Holmes superou ou não o também genial Auguste Dupin, é assunto para a crítica especializada. A única tarefa incubida a nós simples leitores é a degustação do imensurável prazer de lermos as aventuras tanto de um quanto de outro.
Veja fotos de Jeremy Brett, ator que eternizou o personagem Sherlock Holmes, no cinema.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Elvis Presley: A Era do Rock and Roll

Neste sábado (16), completa-se 31 anos que o cantor e compositor norte-americano Elvis Presley morreu de insuficiência cardíaca em sua mansão, Graceland, na cidade de Memphis, Estados Unidos. Elvis tornou-se um dos maiores ícones da cultura popular mundial durante todo o século XX. Trinta e um anos após sua morte, ainda é o detentor do maior número de "hits" nas paradas mundiais e o recordista de venda de discos em todos os tempos, com quase 2 bilhões de cópias vendidas.
Em 1956, ao aparecer no programa de TV "The Milton Berle Show", Elvis levou a platéia ao delírio com seu rebolado ao interpretar "Hound Dog".



Provocando a ira de grupos conservadores que condenaram sua música e sua performance, considerada exagerada e sensual na época.A imagem de Elvis passou por grandes transformações durante sua carreira. Essas mudanças revelam aspectos divergentes da personalidade do cantor: Pouco a pouco, o rebelde de casaco de couro e cabelo empastado que chocou conservadores norte-americanos assumiu a persona de bom moço, abraçou os valores da classe média americana.
Apesar de ser bem pequena no auge do seu sucesso, pude presenciar alguns shows e todos seus filmes pela TV , além de testemunhar a loucura das fãs que viam em Elvis o protótipo da beleza e sensualidade. Existe muito mistério em torno de sua morte, mas o que interessa é curtir esta linda voz...

domingo, 10 de agosto de 2008

Retrato de Dorian Gray: O livro mais famoso de Oscar Wilde

Se formos analisar as palavras do sociólogo Comte, de que “todo homem nasce bom e é a sociedade que o corrompe”, temos em Dorian Gray um exemplo perfeito para justificar essa teoria sociológica.O livro de Oscar Wilde é extremamente interessante. Sua história questiona os valores morais, a beleza, o mito da eterna juventude, na estética e nos seus conflitos e desejos. Pelos seus diálogos percebemos questionamentos sobre a vida e nossa atuação nela. Dorian aproxima-se do mito de narciso ou, do mito faustiano onde, em prol dos prazeres mundanos pode-se vender a alma. A obra convida à reflexão sobre os padrões de beleza em cada sociedade, em cada época, envelhecimento X juventude, a procura de novas e prazerosas sensações a qualquer preço, o crime e a punição…
Dorian Gray é o personagem central de uma narrativa extremamente trágica e fantástica. Um jovem de cerca de 20 anos, dono de uma beleza narcizesca, que fascina a todos que o conhecem. Dorian é apresentado a escritos hedonistas, onde a busca do prazer deve ser o objetivo primordial e único de todos os homens; onde as causas, os modos e as formas não têm nenhuma importância, perante o objetivo principal. Dorian, então, é jogado em um mundo escuro, onde pecados são esquecidos apenas quando outros ainda maiores são cometidos. Uma pergunta feita a Dorian em determinado momento da obra, é bastante ilustrativo a respeito disso: “qual o proveito de um homem que ganha o mundo inteiro, mas perde sua própria alma?”. E é isso o que vemos ocorrer com ele. O bem e o mal são sempre discutidos e interpretações distintas são sempre atribuídas a eles. Quando Dorian faz uma boa ação, faz por realmente estar tentando ser bom, ou seria exatamente pelo contrário, e suas atitudes longe de possuir bondade, seriam apenas formas de enaltecer ainda mais seu já enorme ego? Como um toque de Midas ainda mais bizarro, tudo o que ele toca se degrada.
“(…) Dorian não respondeu. Passou distraidamente diante do quadro e virou-se de frente para ele. Quando o viu, recuou e, por momentos, o rosto ruborizou-se-lhe de satisfação. Assomou-lhe aos olhos uma expressão de júbilo, como se se tivessereconhecido pela primeira vez. Continuava imóvel e maravilhado, apercebendo-se vagamente de que Hallward estava a falar com ele, mas sem apreender o significado das palavras. A sensação da sua própria beleza surgiu-lhe como uma revelação. Nunca a sentira antes (...)”
É um livro que nos faz pensar sobre a juventude, o valor da beleza na sociedade, a vaidade e o caráter das pessoas. Vale a pena superar o início lento do livro para chegar ao final, que, claro, não vou contar. Para quem gosta de ver obras literárias nas telas, o livro já foi filmado e pode ser encontrado nas locadoras que possuam obras mais antigas. De vez em quando, também é possível vê-lo nas sessões de madrugada das grandes emissoras. É só ficar atento...
Aqui, a versão de 2004:
Mas eu prefiro a de 1945 por ser mais fiel à obra:

sábado, 9 de agosto de 2008

EPITÁFIO


Epitáfio
Quando um homem morre é como se uma biblioteca se incendiasse.
Este foi o epitáfio que nós escolhemos para o meu pai.
Realmente, ele era uma verdadeira biblioteca.
Lendo, relendo os livros que ele me deixou, vejo tantos sonhos revelados,
compreendo o sentido de tudo o que dizia, constantemente!
Talvez, hoje eu o entenda, porque me vejo nele.
Esse silêncio do sentir herdei dele.
Emudecer diante da dor ou da extrema alegria são características nossas.
Alguns chamam de indiferença e orgulho.
Nós sabemos que não.
É apenas o nosso jeito de não incomodarmos o mundo diante da pequenez do que somos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Eu sou o que eu leio


Mistérios inconfessáveis, às vezes leitura por prazer, ou para resolver algum questionamento. Quase sempre não satisfaz.
A leitura, para mim é assim:
Prazer, questionamentos, angústias, lembranças, emoções.
Ao folhear as páginas, vêm às lembranças e o cheiro leva-me a infância: Lobato.
Não há emoção, sensação, lembranças que dê conta do tempo.
Remexendo nas lembranças encontro Machado, Alencar, meu pai.
Um suspiro... Arrepios em Eça, Devaneios em Dumas Filho e admirar Dostoiévski .

Lembranças da infância em Beethoven, Mozart e Rachimaninoff.
Estremeço em Edgard Alan Poe.
O tempo passa,
Mas a busca continua.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

SAMBA DO ARNESTO

Vídeo clipe em homenagem ao maior sambista paulista, Adoniran Barbosa. O próprio interpreta um de seus clássicos, "Samba do Arnesto". Fotos e videos da cidade de São Paulo.Numa noite qualquer de 1955, o compositor e alguns amigos foram até o bairro paulistano do Brás, então reduto da colônia italiana, para um samba que deveria ocorrer na casa do “Arnesto”, e ‘deram com a cara na porta’.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O CIÚMES NA LITERATURA

A intensidade dramática do ciúme faz dele um tema atraente para escritores. Alguns souberam tratá-lo com maestria e produziram obras primas. Citamos o exemplo clássico de Otelo, de William Shakespeare (1603) e de três romances da língua portuguesa:Dom Casmurro, de Machado de Assis (1899), Alves & Cia., de Eça de Queiroz (1925) e São Bernardo, deGraciliano Ramos (1934).
Otelo
Como em todas as tragédias, desde sua origem na Grécia antiga, o destino trágico dos personagens centrais está traçado desde o início. Prisioneiros de suas próprias limitações pessoais e sociais são arrastados para ele e não podem mudá-lo. Otelo, o general mouro de Veneza, é prisioneiro da cor de sua pele. Por seus dotes militares, é tolerado, mas não aceito pelos venezianos, que nutrem com relação a ele sentimentos racistas. Otelo está ciente desse preconceito e se sente inseguro. Para dissimular sua insegurança, comporta-se de modo grosseiro e impulsivo, a ponto de intimidar sua própria mulher, Desdêmona. A insegurança de Otelo faz com que seja receptivo às intrigas de Iago, que desperta seus ciúmes, insinuando um romance entre Desdêmona e Cássio. O ciúme se intensifica ao longo da peça e culmina com o assassinato de Desdêmona pelo marido. Uma acuada Desdêmona não pode também fugir a seu destino, como Otelo não pode fugir do crime e de sua autodestruição. O ciúme é um tema fundamental na tragédia, pois além do ciúme de Otelo por Desdêmona, temos o de Iago por Cássio, porque este tem um posto militar superior ao seu, e o de Rodrigo, cúmplice de Iago, por Otelo, porque está apaixonado por Desdêmona. É em Otelo que se encontra a mais genial - e certamente a mais popular - definição de ciúme: ciúme é um monstro de olhos verdes (a green-eyed monster).
Dom Casmurro
Se Otelo é o clássico mundial de obras literárias sobre o ciúme, no Brasil esta honra cabe a Dom Casmurro, de Machado de Assis. Até hoje é motivo de aceso debate se Capitu traiu ou não o marido com seu melhor amigo, Escobar. A questão, no fundo, é irrelevante, pois para entendermos o perfil psicológico de Bentinho, basta sabermos que ele acredita ter havido adultério. Também é irrelevante se o fato que desencadeou o ciúme - a forma intensa com que Capitu fitava Escobar no velório deste, perturbando Bentinho a ponto de impedi-lo de pronunciar o discurso fúnebre – ocorreu na realidade ou apenas existiu na imaginação do personagem.No despertar do ciúme, teve papel certamente preponderante o sentimento de culpa que carregava Bentinho por não cumprir a promessa de sua mãe, de tornar-se padre e daí o ressentimento inconsciente contra Escobar, que o ajudara a dissuadir a mãe de seu intento, permitindo seu casamento com Capitu. A culpa e o ressentimento eram tão fortes que Bentinho esteve a ponto de suicidar-se. Não o fez e depois de ter perdido a mulher e humilhado a ela e ao filho, se tornou o Dom Casmurro do título.
Alves & Cia.
Pode-se dizer que o romance de Eça é sobre o anticiúme. Godofredo Alves, voltando mais cedo que o costume para casa, flagra a mulher Ludovina, abandonada, sobre o ombro de um homem, que lhe passava o braço pela cintura, e constata petrificado, que se trata de seu sócio, Machado. Após ofender e expulsar de casa a mulher, começa a sofrer as dores do ciúme, mas, já nas primeiras páginas Eça deixa claro que o desejo de sofrer de Alves não vai longe: Então imediatamente resolveu resistir àquele estado de perturbação e inquietação. Quis que no seu espírito reinasse a ordem; que tudo na casa retomasse o seu ar regular e calmo. Naquele momento, ainda não manifestava Alves a intenção de reconciliar-se com Ludovina, mas aos poucos esta intenção vai se formando no seu espírito e, ao final, do romance já está os três juntos, o casal e o amigo Machado, brindando seu sucesso na vida e nos negócios.
Há no romance de Eça uma crítica sutil ao capitalismo e o apego da burguesia a coisas materiais. A separação de Alves era ruim para os negócios da firma: seria mal visto na praça e perderia a colaboração de um sócio eficiente. À violência do ciúme segue-se a frieza do cálculo financeiro, a ponto de Alves duvidar até mesmo que tenha visto Ludovina em atitude comprometedora.
São Bernardo
Em São Bernardo, o tema do ciúme vem mesclado com uma crítica ao coronelismo dominante noNordeste. O Coronel Paulo Honório considera as mulheres bichos difíceis de governar, mas quer casar para ter um herdeiro. Decide que a mulher ideal seria a filha do juiz, mas indo a casa dela para pedir sua mão ao pai, encontra uma outra moça, Madalena, que lhe parece mais interessante e acaba por casar-se com ela. Professora culta e politizada, Madalena desperta desconfianças do marido, por suas opiniões e por sua atitude generosa para com os explorados empregados de suas terras. Acha que ela é comunista e comunista, sem religião, é capaz de tudo. Passa a duvidar da honestidade da mulher. Atormenta-a de tal maneira, que Madalena comete suicídio. A vida de Paulo Honorato se transforma num imenso vazio. Chega à velhice solitária, perseguida pela imagem de Madalena. Paulo Honorato era dono de terras, de gado e da vontade dos homens. Casou com Madalena, não para ter uma companheira pela vida, mas com a atitude calculada de quem está acrescentando mais um item a seu patrimônio. Este novo item tinha um único propósito: dar-lhe um filho. Mas Madalena tinha idéias e vontades próprias, não lhe pertencia porque não se submetia. Madalena era o outro que nunca teve que enfrentar e o atemorizava. Precisava então destruí-la, pois estava em descompasso com o mundo que conhecia até então. Mas só poderia destruí-la se elaborasse em sua mente que Madalena não prestava daí a pecha de comunista, mais uma crítica de Graciliano aos preconceitos da época, e de adúltera. Quando Madalena se suicida, um gesto autônomo de vontade que não esperava, dá-se conta do que havia feito e, no fim do romance, solitário, conclui: Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.

domingo, 3 de agosto de 2008

AI DAQUELES, Paulo Leminski

Ai daqueles
que se amaram
sem nenhuma briga
aqueles que deixaram que a mágoa nova
virasse chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é feito pão em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não por que não tem asa.
tyu
Paulo Leminski(1944-1989)
uioiuioiuio
Uma poesia linda, linda, de um poeta paranaense, para comemorar o meu 200º post.