Mostrando postagens com marcador poema. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador poema. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de março de 2009

A Porta


Eu sempre soube
que quando me
despedisse e fechasse
a porta

e vagarosamente descesse
toda a escadaria olhando
fixamente nos degraus

e entrasse no carro,
seguindo reto à
avenida,
e estacionasse na garagem

mesmo depois que eu
entrasse em casa
trocasse de roupa,
tirasse os anéis
escovasse os dentes,
os cabelos

mesmo depois que eu
fosse dormir
e sonhar e
no dia seguinte
eu acordasse,
você ainda estaria
olhando
para a porta.


Por Miriam Fajardo

segunda-feira, 2 de março de 2009

O Inesperado


Se um dia, por acaso,
a gente se encontrasse,
ia ser um caso sério.
Você ia rir de mim até amanhecer.
Eu ia até acontecer.
De dia, o sentimento de estar no mundo.
De noite, sentir-se indiferente às perdas e às culpas da travessia.
Eu ia tirar do ouvido
todos os sentidos.
Ia ser muito divertido
contar como tudo tinha acontecido.
Ia ser um riso
começar tudo de novo
todo dia,
a mesma alegria
até deixar de ser poesia
e virar tédio.
E nem o meu melhor vestido
seria remédio.
Daí vá ficando por aí,
eu vou ficando por aqui,
evitando,
desviando,
sempre pensando
quem sabe um dia...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Nietzsche - "A Gaia Ciência"


Vejam a criança rodeada de porcos a grunhir,
Desarmada, encolhendo os dedos dos pés.
Chora, não sabe fazer mais nada senão chorar.
Será alguma vez capaz de ficar de pé e caminhar?
Coragem! E depressa, penso eu,
Poderão ver a criança dançar;
Logo que conseguir manter-se de pé,
Haverão de a ver caminhar de cabeça para baixo.

NIETZSCHE, F. A Gaia Ciência. São Paulo: Rideel, 2005.
Podemos depreender deste poema, que a figura dos porcos seria transposta a todos os tipos de repressores (pais, professores, avós, a sociedade em geral), que reprimem a criança, distorcendo-lhe a personalidade. Fazendo dessas crianças um adulto tímido, medroso, fracassado. Mas se em algum momento esta criança consegue se libertar do opressor, não só conquistará seu espaço, como será o protagonista de sua vida. Onde se diz: "Haverão de a ver caminhar de cabeça para baixo",pode se entender que, quando ela se libertar da bitolagem imposta pela sociedade e, descobrir o mundo com sua vivência, conseguirá então, superar todas as expectativas, vindas da superação do fracasso.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
Castro Alves

Análise:

Em "O 'adeus' de Teresa", o eu-lírico é um homem, é ele quem abandona, de início, a amada. Há, nesse poema, vários momentos do sujeito enunciador em relação à mulher amada. Na primeira estrofe, o eu-poético narra sua impressão a respeito da primeira vez que viu Teresa. Diz ele: "A vez primeira que eu fitei Teresa,/Como as plantas que arrasta a correnteza,/A valsa nos levou nos giros seus .../E amamos juntos ... E depois na sala/ 'Adeus' eu disse-lhe a tremer co'a fala.". Nota-se que, nessa primeira estrofe, o amado passa por vários estágios donjuanescos. De início, emerge o encantamento, o desejo; posteriormente, a conquista, a concretização do amor e, finalmente, o abandono. Mais uma vez, o poeta segue os rastros do mito e, após a "violação", abandona o ser antes desejado. Na terceira estrofe, o verso, em contrapartida, a última estrofe indica a transgressão ao romantismo, na medida em que é o homem o ser abandonado e não mais a figura feminina. Nesse momento, há a inversão de atitudes donjuanescas, pois não cabe ao homem o papel de seduzir, conquistar e rejeitar, mas sim à mulher que, após longos períodos de abandono, sente-se no direito de rejeitar o bon vivant. O texto de Castro Alves é uma exaltação à beleza e ao erotismo da mulher amada, contudo, a última estrofe, acompanhada do tom grandiloqüente do poeta, revela traição. Há um destaque interessante no título em que o poeta dá-nos uma pista de quem falará: adeus, pois a palavra está entre aspas, assim podemos entender que ela, Teresa, é quem diz o último adeus. O que choca o leitor desavisado, pois o poeta surpreende com este desfecho em época romântica.

Teresa
Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo
.............................................................................................[nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Análise:
Logo na primeira leitura já percebemos o dialogismo entre estes dois poemas. Tendendo mais para um poema-paródia do texto lírico de Castro Alves. Antilírico, o poeta revela distância da idealização, confirmando, na última estrofe, a presença das transformações seja no plano físico, seja no sentimental. O poema Teresa, de Manuel Bandeira, faz parte do livro Libertinagem, o primeiro livro modernista do autor. Narra a descoberta amorosa da personagem do título pelo eu lírico. Fala da trajetória do menino ao homem que se completa em três tempos: menino, adolescente e, finalmente homem, vê, por três vezes a mesma Teresa, até sucumbir de amor. Esta descoberta acontece de forma banal, sem os arroubos de paixão romântica, o que quebra a expectativa do leitor de encontrar uma grande história de paixão à primeira vista ou de encontrar uma grande musa por quem, mais à frente, o eu lírico irá se apaixonar.Teresa, para o eu lírico, à primeira vista, parece burra, pois a cara parecia uma perna. Depois, no entanto, o olhar sobre Teresa se aprofunda: é um olhar que investiga o olhar. O eu lírico olha no fundo dos olhos de Teresa, e enxerga Teresa além da perna. Teresa tem olhos velhos, e enxergar a alma velha dentro dos olhos não só denota um interesse como perceber olhos velhos indica uma relação já mais terna. Teresa tem um corpo jovem, mas seu olhar demonstra sofrimento e/ou sabedoria. A casca estúpida de Teresa é deixada de lado, a partir da segunda estrofe, pois o que se assinala então é o paradoxo da identidade da personagem. Por fim, na terceira estrofe, o eu lírico capitula diante de Teresa. O terceiro encontro é recheado por magia (os céus se misturam com a terra) e milagre (Deus caminha sobre a água), por uma descoberta de sensações profundas, misteriosas e grandiosas. É o momento em que o eu lírico não enxerga mais nada, o que denota uma impotência diante da visão de Teresa, sua perda de poder de reação. Neste verso, por sinal, Bandeira parafraseia, implicitamente, o dito popular "O amor é cego". Impossibilitado de ver, cego àquilo que enxergava até então (os defeitos de Teresa), o eu lírico está realmente apaixonado.