terça-feira, 18 de março de 2008

Crepúsculo dos Deuses


Crepúsculo dos Deuses (1950) é um dos filmes que eu considero uma verdadeira ARTE do cinema. Há vários fatores para que eu o considere assim: a metalinguagem, pois fala da própria arte cinematográfica; o tema complexo demais, para os atores, sendo um dos estágios mais difíceis ao qual terão que passar um dia em suas vidas e que perturba a todos. Essa fatalidade ao qual um dia serão substituídos por outros talentos, pois sua juventude é perene e essa arte valoriza muito o belo em detrimento ao talento. E isto eu questiono muito quando assisto a filmes atuais. Os atores contemporâneos por se valerem de tantos recursos audiovisuais se esquecem da importância do olhar. O título do filme em inglês é Sunset Boulevard fazendo referência a uma célebre artéria de Los Angeles, onde as celebridades americanas têm sua residência. Billy Wilder situou nela um dos mais fascinantes – e mais cruéis – apólogos sobre a grandeza e a decadência da mitologia hollywoodiana. Várias atrizes foram convidadas a encarnar a personagem da estrela decadente. Todas recusaram, achando-se demasiadamente visadas. O papel foi confiado, por fim, a Glória Swanson, e lhe cabia perfeitamente: lançada por Mack Sennett, ela de fato conheceu a glória na época do cinema mudo e um de seus últimos sucessos foi “Minha rainha”, de Erich von Stroheim. Um trecho desse filme figura em Crepúsculo dos deuses, e é o próprio Stroheim, sob o pseudônimo de Max Von Mayerling, que o projeta. Dá para ver até que ponto a realidade e a ficção estão ligados, nesse psicodrama. O humor (negro) vem de permeio, pois toda a aventura é contada por um cadáver, criando um efeito de distanciamento mórbido no mínimo saboroso. Reconhecemos aí a mão de Billy Wilder, diretor de origem austríaca, que não rompeu totalmente com o expressionismo. O resultado é uma obra enfeitiçante.
Crepúsculo dos Deuses abusa da metalinguagem e a autora desvenda o filme como se descascasse uma gigantesca e suculenta cebola. A cada camada, uma surpresa, uma transparência não percebida, uma opacidade revelada. E ela prova que o que falta nas atrizes atuais é esse jogo de olhares, característica do cinema mudo que tão bem ela interpretava.