sábado, 26 de setembro de 2009

Traduzir-se

Realmente, Ferreira Gullar, como imortal que é, foi brilhante ao fazer esse belo poema. E Fagner, também brilhante em musicá-lo, tão perfeitamente. Adriana mostrou com sua performance uma perfeição de interpretação. Traduzir-se é sublime, não é fácil ...
É para poucos. Adriana traduz o "traduzir-se", divinamente!!!

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O meu Guri ( Chico Buarque de Holanda)


Essa é uma música protagonizada pela mãe de um marginal, favelado do morro, que desconhece a condição e a real natureza do batente de seu filho. Vivendo num mundo de ingenuidade, a mãe ignora a tudo, um nome, seu modo de ganhar a vida, inclusive a morte do menor infrator que é notícia no jornal. Nessa canção, Chico mostra o desamparo feminino e, paradoxalmente, a procura em proteger o filho, quando não quer enxergar seus furtos e ainda reza por ele devido a “onda de assalto”.
A mãe é uma analfabeta que não consegue, sequer, ler a legenda do noticiário da morte do filho, que é assassinado pela polícia devido a uma força exercida pela opressão socioeconômica. Acaba deixando-a numa situação patética devido à alienação que age de maneira profunda na classe da qual advém: a pobre, que cria marginais devido a necessidades que o próprio sistema deveria suprir, mas não consegue.
O que pode perceber nessa canção é a falta de estrutura que o sistema proporciona às pessoas em geral, principalmente àqueles que são mais desprovidos socioeconomicamente, gerando o analfabetismo, os assaltos, as mortes e a “ingenuidade”, por parte daqueles que não conseguem ser espertos o suficiente. Sem contar que, para desenvolver o intelecto do ser humano, faz-se necessário haver o principal, além de educação: comida. Há pessoas na favela, ou periferias, que chegam à desnutrição, não se desenvolvendo intelecto e corporalmente. Restando como opção à maioria desses, para sobreviver, o roubo, o tráfego, e assassinatos por encomenda como forma de “ganha-pão”.

Essa é uma canção patética/caótica na qual também é tratado o social. Fala do menino de rua, da mulher e das oportunidades que o sistema proporciona a todos de maneira desigual. Essa desigualdade está em todas suas músicas desta época. Ele é capaz de mostrar a realidade em que vivemos e o descaso que a maioria sofre, seja qual o período que nos encontramos.

TEXTO
Meu guri
Quando seu moço, nasceu meu rebento

Chega no morro com o carregamento
Não era o momento de ele rebentar

Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Já foi nascendo com cara de fome

Rezo até ele chegar cá no alto
E eu não tinha nem nome pra lhe dar

Essa onda de assaltos ta um horror
Como fui levando, não sei lhe explicar

Eu consolo ele, ele me consola
Fui assim levando, ele a me levar

Boto ele no colo pra ele me ninar
E na sua meninice ele um dia me disse

De repente acordo, olho pro lado
Que chegava lá

E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí Olha aí, é o meu guri
Olha aí, ai o meu guri, olha aí E ele chega
Olha aí, é o meu guri
E ele chega Chega estampado, manchete, retrato
Com vendas nos olhos, legenda e as iniciais
Chega suado e veloz do batente

Eu não entendo essa gente, seu moço
E traz sempre um presente pra me encabular

Fazendo alvoroço demais
Tanta corrente de ouro, seu moço,

O guri no mato, acho que tá rindo
Que haja pescoço pra enfiar

Acho que tá lindo de papo pro ar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro

Desde o começo eu não disse, seu moço?
Chave, caderneta, terço e patuá

Ele disse que chegava lá
Um lenço e uma penca de documentos

Olha aí, olha aí
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí

Olha aí, é o meu guri.
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Fonte: Baseado em : Os Oprimidos nas Canções de Chico Buarque de Tania Barbosa Novaes.



domingo, 13 de setembro de 2009

Na Mira do Leitor

Ontem, fiquei muito feliz com a visita da professora Doralice Araújo. Ela escreve para jornais e revistas, e o melhor é que disse que me indicaria no seu blog que mantém no site da Gazeta do Povo. Comentou no site, que compartilho interessantes observações com a criteriosa seleção de temas. Realmente, é o que procuro passar com os temas que pesquiso e desenvolvo. Agradeço a indicação e espero sempre ter ideias inovadoras para oferecer aos meus leitores.
"Doralice Araújo é paranaense, residente desde 1992 em Curitiba, mantém uma constante vinculação com a leitura e a escrita. É professora de língua portuguesa com experiência em todos os graus de ensino - e atualmente oferece oficinas de leitura e escrita para jovens escolares, vestibulandos e universitários na sua CASA DA LINGUAGEM, espaço pedagógico, no bairro Mercês, fonte de seus sonhos e de renda.
Escreve participadamente nas seções dos leitores dos jornais e revistas e agora manterá este blog, centrado na interatividade com "sua excelência", o leitor. "
A indicação encontra-se no link abaixo, onde há também outros bons espaços pedagógicos indicados.

sábado, 5 de setembro de 2009

Nel mezzo del camim...


Nel mezzo del cammin

Dante Alighieri

INFERNO

CANTO I (trecho inicial)

No meio do caminho desta vida
me vi perdido numa selva
escura,
solitário, sem sol e sem saída.
Ah, como armar no ar uma
figura
desta selva selvagem, dura,
forte,
que, só de eu a pensar, me
desfigura?
É quase tão amargo como a
morte;
mas para expor o bem que
encontrei,
outros dados darei da minha
sorte.
Não me recordo ao certo como
entrei,
tomado de uma sonolência
estranha,
quando a vera vereda abandonei.
(...)


Nel mezzo del camim...

Olavo Bilac

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.


No meio do caminho

Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Intertextualidade é uma forma de dialogia entre os textos. Esse diálogo pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois implica na identificação e no reconhecimento de remissões a obras ou a trechos mais ou menos conhecidos. Dependendo da situação, a intertextualidade tem funções diferentes que dependem dos textos/ contextos em que ela é inserida.
Evidentemente, a intertextualidade está ligada ao “conhecimento de mundo”, que deve ser compartilhado, ou seja, comum ao produtor e ao receptor de textos.
Um mesmo escritor pode reler-se, utilizando-se de textos que ele mesmo escreveu, o que resulta numa espécie de intratextualidade. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, retoma seu conhecido texto No meio do caminho, para escrever Consideração do poema:

Uma pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,
de toda a precisão se incorporaram
Ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata
chamejante.
Me perco em Apollinaire.
Adeus Maiakóvski.

(ANDRADE, 1978, p. 75)

Desvenda-se o mecanismo intertextual, na medida em que além de referir-se a si mesmo, o poeta confessa o furto que faz a outros poetas, incorporando-os duplamente em seu acervo.

Bilac (faleceu em 1918) , que era parnasiano, aproveita do poema "Divina Comédia"(Dante Alighieri - faleceu em 1321). Esse poema volta reciclado e cai no gosto popular com o modernista Carlos Drummond de Andrade, "No meio do Caminho".