terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O processo de escrita de Clarice Lispector




“Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona,está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Nesse vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavra que digo escondem outras – quais? Talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.” in Um Sopro de Vida
Livro (de férias) do momento: Um sopro de vida (pulsações) de Clarice Lispector. Foi o segundo livro da autora que li e agora releio. O primeiro foi a Hora da Estrela (clássico). Sua forma que parece simples de narração envolve o leitor e o faz refletir e questionar a cada frase do livro.
A partir desta leitura e de um post que li no Ocioso,  comecei a pesquisar o seu processo de escrita.

Lispector preferia escrever pela manhã, no entanto, quando estava criando, fazia anotações. Em entrevista ela  falou:
 “escrevo a qualquer hora do dia ou da noite, coisas que me vem... o que se chama inspiração. Agora quando eu estou no ato de concatenar as inspirações, eu sou obrigada a trabalhar diariamente”.

A escrita dela, por muitos chamada intimista, é um ato de com-paixão: pelo próximo, pela vida, pela escrita. Clarice resume seu próprio processo. Ao ser indagada sobre o porquê escrever, responde:


“(...) eu escrevo sem esperança que o que eu escreva altere qualquer coisa. Não altera em nada. (...) Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar, de um modo ou de outro” .
O processo de escrita de Clarice pode ser melhor analisado em seu livro "O Lustre". Quando ele foi lançado, Clarice estava no Brasil, onde passou um mês. De volta à Europa, transferiu-se para a Suiça, "um cemitério de sensações", segundo a escritora. Durante três anos, passou por dificuldades em relação à escrita e à vida pessoal. Em 46, tentou iniciar A Cidade Sitiada, livro que sairia em 49. Vendo-se impossibilitada de escrever, colecionava frases de Kafka, referentes a preguiça, impaciência e inspiração. Para Clarice, a vida em Berna é de miséria existencial. A Cidade Sitiada acaba sendo escrito na Suíça. Na crônica "Lembrança de uma fonte, de uma cidade", Clarice afirmou que, em Berna, sua vida foi salva por causa do nascimento do filho Pedro e por ter escrito um dos livros "menos gostado". Terminado o último capítulo, deu à luz. Nasceu então um complemento ao método de trabalho. Nesta época, ela escrevia com a máquina no colo, para cuidar do filho.
Vi no Ocioso, um post interessante sobre Clarice Lispector o qual fala da organização de “O lustre”, ela deixou as seguintes anotações:

Ler tirando o excesso de adjetivos brilhantes

Ler tirando as palavras modernas, as soluções modernas, as repetições que indicam processos fáceis.

Ler tirando tudo o que sinceramente não parecer bem.

Modificar frases excessivamente ricas.

Presente e imperfeito são os únicos tempos nobres de um romance.

Tirar os brinquedos, o tom falsamente inocente, tudo é sério.

Tirar os “como” das analogias; a coisa é o que simboliza. Não “Bonita como um lírio”, mas “Ela era um lírio”.

Fazer diálogos vazios e vulgares entre as pessoas.

Não fazer dos outros personagens uns bonecos: Surgem pouco mas dão impressão de vida e profundeza.

Espalhar a vulgaridade em várias cenas.

Lendo isso, temos uma mínima noção do método de Clarice para a escrita, ofício e talento com o qual foi obcecada e abençoada por toda a vida. Questiono-me sobre as possibilidades abertas pela escrita de Clarice, procurando por entre os escombros dos sentidos convencionais deixados pela prosa da escritora. Clarice rejeita as convenções de sentidos, buscando dar vida à entrelinha. Podemos a partir disso aprender com ela a melhorar nossa escrita.
Pesquisa:Ocioso