sábado, 15 de março de 2008

Drácula, por Bram Stoker


Prefácio de Stephen King
Nas páginas deste livro, o leitor vai deparar com uma das mais sombrias criações da literatura do século XIX.
Ei-la, da forma como nos é apresentada:
" Seu rosto tinha um acentuado perfil aquilino, com um nariz magro e pronunciado e narinas curvadas de uma forma peculiar... o cabelo escasseava nas têmporas, mas era farto no resto da cabeça. Suas Sobrancelhas eram... densas, e quase se encontravam acima do nariz. A boca, até onde eu conseguia vê-las sob o bigode farto, era rígida e de aparência cruel, com dentes brancos e peculiarmente afiados. Os dentes superiores projetavam-se sobre os inferiores e apareciam entre os lábios, que eram notavelmente corados e revelavam uma surpreendente vitalidade num homem daquela idade. Quanto ao resto, suas orelhas eram pálidas, com extremidades pontudas. O queixo era largo e forte, e as maçãs do rosto, firmes, embora magras. O efeito geral era de extraordinária palidez".
Essa criatura tem o poder de continuar apavorando geração após geração de leitores - para sempre, ao que parece.Um dos temas mais comuns em toda ficção de terror e na literatura do fantástico é a imortalidade- "o ser que não morre" tem sido um elemento recorrente desde a história de Beowulf até o conto de Edgard Alan Poe sobre o coração denunciador, o mito de Cthulu, de Lovecraft, e mesmo o demônio imortal de William Peter Blatty, Panzuzu.
Bram Stoker está positivamente arrebatado pela tecnologia. Dr. Sewardmantém um diário fonográfico (que revela um problema, quando ele quer encontrar um apontamento específico num de seus discos), precursor do moderno ditafone. Quando Mina reúne e compara os registros do pequeno grupo que se juntou para lutar contra o vampiro, usa uma máquina de escrever - invenção recentíssima na época. Van Helsing, faz não uma, mas quatro tranfusões de sangue, muito confiante em si mesmo (80 anos depois, podemos apreciar uma comicidade não-intencional nessa série de operações; sem a análise do tipo sanguíneo, uma daquelas tranfusões com certeza teria matado a desafortunada Lucy). O conhecimento e a tecnologia não são males, aqui, mas sim, a salvação. O inimigo é um vampiro sinistro, astuto e velho, símbolo de todas as antigas superstições da humanidade. O remédio não é muito mais do que o método científico, entusiasticamente aplicado. Não fará mal algum, acredito, salientar que nesse confronto entre a ciência e a superstição, entre o ultramoderno e o vetusto, não são as engenhocas ou o trabalho de detetive que nos fascinam. É antes, a terrível aparição das três vampiras famintas que disputam pelo direito de "beijar" Harker; é a explosiva entrada do lobo no quarto de Lucy; é a bloofer-lady, espírito de uma bela mulher, em sua fome terrível e insaciável, molesta crianças pequenas; é, acima de tudo, a sombra do próprio Conde, açoitando os cavalos pelo desfiladeiro de Borgo, dando a Harker as boas-vindas a seu castelo, rondando pelas ruas de Londres e Whirby. À medida que Drácula aproxima-se de seu centenário, o ditafone se Steward, a máquina de escrever e a estenografia de Mina, bem como as operações de Van Helsing são engraçados no mesmo sentido em que são algumas engenhocas de um catálogo da Sears da virada do século XX. Envelheceram. O conde, porém, mantém sua capacidade de aterrorizar; ele é de fato um dos imortais, e não envelheceu sequer um dia.Drácula continuará reverberar em nossa mente durante um tempo bem maior do que Varney, o vampiro, que é mais horripilante e clamoroso. O livro de Stoker talvez seja longo demais, mas durante a leitura somos recompensados- se é que é esse o termo é correto- com cenários e imagens dignas de um Gustave Doré. Renfild pacientemente espalhando acúcar no parapeito da janela a fim de apanhar as moscas que mais tarde vai comer com toda a paciência dos malditos, a hóstia deixando uma cicatriz na fronte de Mina, a entrada no túmulo de Lucy. Cada uma dessas cenas é inesquecível, e nenhum filme chegou a fazer-lhe justiça.