Li o conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis para os meus alunos da 2ª série do ensino médio, ansiosa pela recepção que teriam. À medida que fui lendo o conto, fui anotando os conselhos do mestre, sem dizer que tudo se passava de ironia. Levaram muito a sério os conselhos, alguns duvidavam da eficácia, mas mesmo assim anotavam. Depois que resenharem dando suas opiniões, revelarei a verdadeira intenção do autor.
No conto de Machado há uma conversa de um pai com o filho, no dia da maioridade deste último, onde propõe ao filho ser um Medalhão. Este é o pretexto de que o escritor se serve para criticar a condição humana e social para, como sempre, nos revelar suas astúcias e a atualidade de seu discurso. Revela um mundo feito de aparências, o qual adquire um status de realidade – é o tema da Teoria do medalhão, onde a identidade do indivíduo é determinada por imagens criadas externamente.
No início já se percebe o autoritarismo paterno, a hipocrisia da vida baseada em aparências, esse contraste é evidente nos longos parágrafos que seu discurso ocupa no texto – trinta e duas linhas no parágrafo e a fala monossilábica do filho que ocupa, quando muito, duas linhas. O que, porém, vem a seguir, travestido de conselhos, nada mais é do que a manifestação dos desejos do pai, que nutrira ele mesmo, em sua mocidade, o sonho, frustrado, de ser medalhão. Depois a escolha do nome: Janjão. Nota-se aí uma ironia nada velada. Quem daria este nome ao filho?
Como fazer para tornar-se um verdadeiro medalhão:
1) Ser sério;
2) O uso de termos como “metafísica” ou “filosofia da História” traz para quem os emprega uma aura de respeitabilidade à qual se agrega a admiração;
3) Não ter ideias próprias ou originais;
4) Nenhuma (imaginação), antes faze correr o boato de que um tal dom é ínfimo;
5) No papel e na língua nenhuma filosofia;
6) Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc;
7) A publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição.
8) Não andar sozinho;
9) Decorar toda terminologia científica e utilizá-la no momento certo para impressionar;
10) Farejar festas, reuniões políticas;
11) Fazer publicidade de si. (Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos de mundo).
O que mais me impressiona neste conto é a sua contemporaneidade, pois mesmo o escritor tendo se baseado na fórmula dos diálogos de Sócrates e Platão e em algumas teorias maquiavélicas, que são obras antigas com ideias também antigas, tornando-o ainda mais admirável, pois não o são. O individualismo, o pragmatismo e a hipocrisia, elementos de dissimulação da realidade e de construção de um indivíduo pronto para enganar a sociedade com padrões de comportamento calcados nas aparências. E infelizmente, ao mesmo tempo ser admirado: – o medalhão – presentes no conto de Machado de Assis.
Você conhece algum por aí?
Referência bibliográfica
ASSIS, Machado. Teoria do medalhão. In:__. Papéis Avulsos. Livraria Garnier, 2000.