sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Luís Gama: O precursor da Consciência Negra


Uma prateleira da minha biblioteca está reservada para os poetas brasileiros. Não são muitos, e os que não pretendo reler estão atrás. Às vezes, de acordo com meu estado de espírito, mudam de lugar. Há alguns que já mudaram várias vezes. Este volume do qual venho tratar aqui e que considero muito, entrou hoje na fileira da frente ( preciso comprar outra estante) espero que continue lá até, o dia de passar para os meus filhos como fez meu pai e minha mãe, que o deixaram para mim. A obra referida é: Primeiras Trovas Burlescas e Outros Poemas de Luís Gama

Hoje, no dia 20 de novembro, abri o volume e lendo alguns poemas pensei em fazer uma pesquisa sobre ele. São muitas informações, mas o mais interessante é destacar que na literatura de consciência negra no Brasil a primeira figura de importância é dele, uma posição igualmente única em nossa literatura, a posição, aliás insuficientemente reconhecida, de ser o nosso primeiro (no sentido da grandeza) e mais alto poeta satírico, mesmo vivendo entre os românticos seu trabalho se distingue em estilo e criticidade. Um exemplo está no poema: "Meus Amores", inserido nas Primeiras Trovas Burlescas a partir da terceira edição (1904), que Luís Gama define claramente um tipo de beleza absolutamente em contradição aos cânones românticos:

Meus amores são lindos, cor da noite
Recamada de estrelas rutilantes;
Tão formosa creoula, ou Tétis negra,
Tem por olhos dois astros cintilantes.

Em rubentes granadas embutidas
Tem por dentes as pérolas mimosas,
Gotas de orvalho que o universo gela
Nas breves pétalas de carmínea rosa.

Os braços torneados que alucinam,
Quando os move perluxa com langor.
A boca é roxo lírio abrindo a medo,
Dos lábios se destila o pato olor.

O colo de veludo Vênus bela
Trocara pelo seu, de inveja morta;
Da cintura nos quebros há luxúria L
Que a filha de Cineras não suporta.

A cabeça envolvida em núbia trunfa,
Os seios são dois globos a saltar;
A voz traduz lascívia que arrebata,
- E coisa de sentir, não de contar.

Quando a brisa veloz, por entre anáguas
Espaneja as cambraias escondidas,
Deixando ver aos olhos cobiçosos
As lisas pernas de ébano luzidias (...)

Pelo exemplo acima podemos notar que ele é o único de nossos intelectuais a tomar uma atitude de equilíbrio, ao afirmar a participação negra, pelo uso de uma estética que privilegia o elemento negro, e pela inserção em sua poesia de um significante acervo do léxico afro-brasileiro.

Quase todos os biógrafos preferem descrevê-lo apenas como homem de caráter muito "bondoso", vitimado pelo pai que o vendeu aos 10 anos de idade, e dedicado a uma luta humanitária em prol de outros escravos.
O esquecimento de Luís Gama deve-se, em grande parte, a dois fatores fundamentais que regem a interpretação da História do Brasil:
1.  A oficialização de um grupo de abolicionistas brancos ("13 de maio") como únicos responsáveis pelo movimento e consequente desconhecimento do esforço negro ("Zumbi") na Abolição;
2. Literariamente, a preocupação arianizante que privilegia uma ideologia indianista como formadora da identidade brasileira, em detrimento da aceitação de uma contribuição negra.
Além de fundador do Centro Abolicionista de São Paulo, Luís Gama foi um dos primeiros republicanos brasileiros. Em 1869, com anterioridade ao famoso Manifesto Republicano de 1870, já defendia "o Brasil americano e as terras do Cruzeiro sem rei e sem escravos", numa clara percepção de que o império era o sustentáculo institucional da escravatura. Quando o Partido Republicano se recusa a manifestar-se em favor da abolição completa, imediata e incondicional dos escravos em 1873, Luís Gama desliga-se dele.
Mais do que "precursor" do Abolicionismo, Luís Gama é seu verdadeiro fundador.

Esta posição original e crítica é que faz de Luís Gama uma das poucas grandes vozes do século XIX brasileiro: original, por saber abrir o caminho para uma aceitação nacional da diferença e diversidade brasileira; crítica por não deixar-se enganar pela "pepineira" geral que o circundava.

Pesquisa baseada no artigo: LUÍS GAMA E A CONSCIÊNCIA NEGRA NA LITERATURA BRASILEIRA por Heitor Martins