terça-feira, 15 de setembro de 2009

O meu Guri ( Chico Buarque de Holanda)


Essa é uma música protagonizada pela mãe de um marginal, favelado do morro, que desconhece a condição e a real natureza do batente de seu filho. Vivendo num mundo de ingenuidade, a mãe ignora a tudo, um nome, seu modo de ganhar a vida, inclusive a morte do menor infrator que é notícia no jornal. Nessa canção, Chico mostra o desamparo feminino e, paradoxalmente, a procura em proteger o filho, quando não quer enxergar seus furtos e ainda reza por ele devido a “onda de assalto”.
A mãe é uma analfabeta que não consegue, sequer, ler a legenda do noticiário da morte do filho, que é assassinado pela polícia devido a uma força exercida pela opressão socioeconômica. Acaba deixando-a numa situação patética devido à alienação que age de maneira profunda na classe da qual advém: a pobre, que cria marginais devido a necessidades que o próprio sistema deveria suprir, mas não consegue.
O que pode perceber nessa canção é a falta de estrutura que o sistema proporciona às pessoas em geral, principalmente àqueles que são mais desprovidos socioeconomicamente, gerando o analfabetismo, os assaltos, as mortes e a “ingenuidade”, por parte daqueles que não conseguem ser espertos o suficiente. Sem contar que, para desenvolver o intelecto do ser humano, faz-se necessário haver o principal, além de educação: comida. Há pessoas na favela, ou periferias, que chegam à desnutrição, não se desenvolvendo intelecto e corporalmente. Restando como opção à maioria desses, para sobreviver, o roubo, o tráfego, e assassinatos por encomenda como forma de “ganha-pão”.

Essa é uma canção patética/caótica na qual também é tratado o social. Fala do menino de rua, da mulher e das oportunidades que o sistema proporciona a todos de maneira desigual. Essa desigualdade está em todas suas músicas desta época. Ele é capaz de mostrar a realidade em que vivemos e o descaso que a maioria sofre, seja qual o período que nos encontramos.

TEXTO
Meu guri
Quando seu moço, nasceu meu rebento

Chega no morro com o carregamento
Não era o momento de ele rebentar

Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Já foi nascendo com cara de fome

Rezo até ele chegar cá no alto
E eu não tinha nem nome pra lhe dar

Essa onda de assaltos ta um horror
Como fui levando, não sei lhe explicar

Eu consolo ele, ele me consola
Fui assim levando, ele a me levar

Boto ele no colo pra ele me ninar
E na sua meninice ele um dia me disse

De repente acordo, olho pro lado
Que chegava lá

E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí Olha aí, é o meu guri
Olha aí, ai o meu guri, olha aí E ele chega
Olha aí, é o meu guri
E ele chega Chega estampado, manchete, retrato
Com vendas nos olhos, legenda e as iniciais
Chega suado e veloz do batente

Eu não entendo essa gente, seu moço
E traz sempre um presente pra me encabular

Fazendo alvoroço demais
Tanta corrente de ouro, seu moço,

O guri no mato, acho que tá rindo
Que haja pescoço pra enfiar

Acho que tá lindo de papo pro ar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro

Desde o começo eu não disse, seu moço?
Chave, caderneta, terço e patuá

Ele disse que chegava lá
Um lenço e uma penca de documentos

Olha aí, olha aí
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí

Olha aí, é o meu guri.
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Fonte: Baseado em : Os Oprimidos nas Canções de Chico Buarque de Tania Barbosa Novaes.